Esta seção apresenta duas declarações que devem ser colocadas lado a lado: "Seja tudo feito para edificação" (1 Co 14:26), e "Tudo, porém, seja feito com decência e ordem" (1 Co 14:40). Quando um prédio está sendo construído, é preciso haver um projeto, pois, do contrário, a construção se transformará em caos. Conheço uma igreja que enfrentava problemas sérios para construir a casa pastoral até que alguém descobriu que o projeto fornecido à madeireira que preparava o material de construção era diferente do que estava sendo usado pelos empreiteiros. Não é de se admirar que nada se encaixava!
A igreja de Corinto tinha problemas específicos com a desordem em seus cultos (1 Co 11:17-23). O motivo não é difícil de determinar: usavam seus dons espirituais para agradar a si mesmos, não para ajudar os irmãos e as irmãs em Cristo. A palavra chave não era edificação, mas sim exibição. Se acreditamos que nossa contribuição para o culto é mais importante do que a de nosso irmão, ficamos impacientes, querendo que ele acabe logo, ou o interrompemos. Acrescentando a isso as dificuldades causadas pelas "mulheres emancipadas" da congregação, podemos entender por que a igreja sofria com essa confusão carnal.
Em 1 Coríntios 14:26, temos um vislumbre do culto na Igreja primitiva. Todos os membros eram convidados a participar conforme o Senhor os dirigia. Um desejava cantar um salmo (Ef 5:19; CI 3:16). Outro era conduzido pelo Espírito para compartilhar uma doutrina. Alguns recebiam revelações transmitidas em línguas e interpretadas. Sem uma ordem determinada por Deus, jamais haveria edificação.
É importante observar que as pessoas que falavam em línguas eram as que causavam mais problemas, de modo que Paulo dirige-se a elas e dá várias instruções a serem seguidas pela igreja em seus cultos.
Em primeiro lugar, a locução, a interpretação e o julgamento (avaliação da mensagem) deveriam ser feitos de forma ordenada (1 Co 14:27-33). Não mais do que três pessoas falariam em cada reunião, e cada mensagem deveria ser avaliada e interpretada na seqüência. Caso nenhum intérprete se apresentasse, o que havia falado em línguas deveria manter-se calado. A admoestação de Paulo à igreja de Tessalônica também se aplica a este caso: "Não apagueis o Espírito. Não desprezeis as profecias; julgai todas as coisas, retende o que é bom" (1 Ts 5:19-21).
Por que as mensagens deveriam ser avaliadas? Para determinar se o locutor, de fato, transmitira a Palavra de Deus por meio do Espírito Santo. Poderia acontecer de alguém, sob a influência das próprias emoções, imaginar que Deus falava por seu intermédio. Era possível a Satanás falsificar uma mensagem profética (ver 2 Co 11 :13, 14). Os ouvintes deveriam, então, testar a mensagem usando as Escrituras do Antigo Testamento e a tradição apostólica, bem como a orientação pessoal do Espírito ("discernimento de espíritos"; 1 Co 12:10).
Se, enquanto uma pessoa falava, Deus desse uma revelação a outra pessoa, o primeiro locutor deveria se calar, enquanto a nova revelação era transmitida. Sob a direção de Deus, não haveria competição nem contradição nas mensagens. Se, porém, vários locutores estivessem "criando" suas próprias mensagens, haveria confusão e contradição.
Quando o Espírito Santo está no controle, os vários ministros terão domínio próprio, pois o domínio próprio é um fruto do Espírito (GI 5:23). Participei de um congresso com outro palestrante que tinha dificuldade em terminar dentro do horário estabelecido. Ele se estendia quinze ou vinte minutos além de seu tempo, e eu era obrigado a condensar minha mensagem na última hora. A certa altura, ele se desculpou dizendo:
- Você sabe como é, quando o Espírito assume o controle, não podemos nos preocupar com o relógio.
Como resposta, citei 1 Coríntios 14:32: "Os espíritos dos profetas estão sujeitos aos próprios profetas".
Nosso domínio próprio é uma das evidências de que o Espírito está, de fato, operando em uma reunião de cristãos. Um dos ministérios do Espírito é colocar ordem no caos (Gn 1). A confusão vem de Satanás, não de Deus (Tg 3:13-18). Quando o Espírito está conduzindo, os participantes conseguem ministrar um por vez, de modo que o impacto total da mensagem de Deus seja recebido pela igreja.
De que maneira aplicamos essas instruções à igreja de hoje, uma vez que não há mais em nosso meio profetas como os do
Novo Testamento, mas temos as Escrituras completas? Em primeiro lugar, devemos usar a Palavra de Deus para testar as mensagens que ouvimos, pedindo que o Espírito nos oriente. Há falsos mestres espalhados pelo mundo afora e devemos ser cautelosos (2 Pe 2; 1 Io 4:1-6). Mesmo mestres e pregadores autênticos não sabem tudo e, por vezes, cometem enganos (1 Co 13:9,12; Tg 3:1). Cada ouvinte deve avaliar a mensagem e aplicá-Ia a seu coração.
Nossos cultos hoje são mais formais que as reuniões da Igreja primitiva, de modo que dificilmente precisamos nos preocupar com essa questão de ordem. Mas, em nossas reuniões mais informais, devemos usar de consideração uns para com os outros e manter a ordem. Lembro-me de participar de uma reunião onde todos estavam dando testemunho, e uma mulher passou quarenta minutos falando de uma experiência enfadonha e, com isso, destruiu o espírito da reunião.
O evangelista D. L. Moody dirigia um culto e pediu a um homem para orar. Aproveitando a oportunidade, o homem estendeu a oração a ponto de parecer que não teria fim. Sentindo que aquela oração prejudicava a reunião em vez de abençoá-Ia, Moody disse em voz alta: "Vamos cantar um hino enquanto nosso irmão termina de orar!" Os que dirigem as reuniões da igreja precisam de discernimento... e de coragem.
Em segundo lugar, as mulheres presentes na reunião não deveriam falar (1 Co 14:34, 35). Paulo já havia permitido que as mulheres orassem e profetizassem (1 Co 11 :5), de modo que essa instrução aplica-se ao contexto imediato da avaliação das mensagens proféticas. Ao que parece, a grande responsabilidade de manter a integridade doutrinária na Igreja primitiva cabia aos homens, especialmente aos presbíteros (1 Tm 2:11, 12).
O contexto dessa proibição pode indicar que algumas mulheres da congregação estavam criando problemas ao fazer perguntas, talvez até gerando discussões. Paulo lembrou as mulheres casadas de que deviam ser submissas a seus maridos e lhes fazer suas perguntas em casa. (Supomos que as mulheres solteiras podiam buscar o conselho dos presbíteros ou de homens da própria família.) Infelizmente, em muitos lares cristãos de hoje, a mulher deve esclarecer as
dúvidas do marido, pois é mais instruída na Palavra do que ele.
Em terceiro lugar, os participantes devem ser cautelosos com as "novas revelações" que vão além da Palavra de Deus (1 Co 14:36-40). H À lei e ao testemunho! Se eles não falarem desta maneira, jamais verão a alva" (ls 8:20). A Igreja primitiva tinha o Antigo Testamento e também a tradição que havia recebido dos apóstolos (2 Tm 2:2), e esses eram os parâmetros para avaliar todas as revelações. Hoje, temos as Escrituras completas, bem como os ensinamentos acumulados ao longo de séculos de história da Igreja para nos ajudar a discernir a verdade. Apesar de não serem inspirados, os credos evangélicos históricos reúnem uma teologia ortodoxa que pode nos servir de orientação.
Nestes versículos, Paulo apresenta uma contraposição para os membros que poderiam dizer: "Não precisamos da ajuda de Paulo! O Espírito fala conosco. Recebemos revelações novas e maravilhosas de Deus!" Trata-se de uma atitude perigosa, pois é o primeiro passo para rejeitar a Palavra de Deus e aceitar revelações falsas, inclusive doutrinas de demônios (1 Tm 4:1 ss). "A Palavra não se originou em sua congregação!", responde o apóstolo. "Uma das marcas do verdadeiro profeta é sua obediência aos ensinamentos apostólicos." Nessa declaração, Paulo afirma
que suas palavras são, verdadeiramente, Escrituras inspiradas, "mandamento do Senhor" (1 Co 14:37).
Não se pode concluir de 1 Coríntios 14:38 que Paulo desejava que as pessoas permanecessem ignorantes; de outro modo, não teria escrito esta epístola nem respondido às perguntas dos coríntios. Esse versículo pode ser traduzido por: "e, se alguém ignorar isto [a autoridade apostólica de Paulo], ele próprio será ignorado [por Paulo e pela igreja]". A comunhão tem como base a Palavra, e os que optam por uma rejeição deliberada da Palavra estão, automaticamente, rompendo a comunhão (1 Jo 2:18,19).
Paulo resume os ensinamentos principais de 1 Coríntios 14 nos versículos 39 e 40: A profecia é mais importante do que as línguas, mas a igreja não deve proibir o uso correto do dom de línguas. O propósito dos dons espirituais é a edificação de toda a igreja, e, portanto, os dons devem ser exercitados de maneira ordenada. O culto deve ser realizado "com decência", ou seja, com beleza, motivação espiritual e conteúdo.
Antes de encerrar este capítulo, pode ser proveitoso resumir o que Paulo escreveu acerca do dom de línguas. Trata-se de uma aptidão dada por Deus de falar em línguas existentes, mas que o locutor não conhece. O propósito não é ganhar almas, mas edificar os salvos. Nem todo cristão tem esse dom, tampouco ele é evidência de espiritualidade ou resultado do "batismo do Espírito". Somente três pessoas poderiam falar em línguas em cada reunião e deveriam fazê-lo de maneira ordenada e com interpretação. Caso não houvesse intérprete, deveriam permanecer caladas. Como dom, a profecia é superior, mas o dom de línguas não deve ser desprezado quando exercitado de acordo com as Escrituras.
Quando a obra de fundação dos apóstolos e profetas foi concluída, tudo indica que os dons de ciência, profecia e línguas deixaram de ser necessários. "Havendo línguas, cessarão" (1 Co 13:8). Sem dúvida, Deus poderia conceder esse dom hoje, se assim o desejasse, mas não estou preparado para crer que todos os casos de manifestação de línguas sejam divinamente inspirados. Também não desejo ir ao extremo de dizer que todas as manifestações desse dom são satânicas ou auto-induzidas.
É triste quando os cristãos transformam o dom de línguas numa prova de comunhão ou espiritualidade. Essa atitude, em si, para mim serve de aviso que o Espírito Santo não está operando. Devemos manter as prioridades em ordem e nos concentrar em ganhar almas para Cristo e edificar a igreja.
E por isso gostaria de convidar a junto comigo orarmos a Deus pelo uso devido dos dons em sua igreja. Se possível feche seus olhos.
ORAÇÃO
Deus eterno e Pai amado, obrigado porque graças a tua Palavra temos as orientações necessárias para não sermos ludibriados pelo maligno, em sua tentativa de corromper o teu povo, e nos desviar do foco e da missão que o Senhor nos confiou. Que os líderes de tua igreja sejam sempre sensíveis a guia do Espírito Santo, para que tudo seja feita com ordem e decência e que o uso dos dons cumpram com a finalidade de glorificar a ti e não aos teus instrumentos. É o que te pedimos crendo no poder que no nome de Jesus, amém!
Reynan Matos
Teólogo
Fonte:
Comentário Bíblico Expositivo Warren W. Wiersbe. p. 804-807






