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domingo, 9 de agosto de 2015

O discurso da mãe constrói a imagem do pai

A nossa pequena Hadassah, com um pouco mais de um ano, já pronuncia várias palavras de forma correta, indica decididamente um objeto que solicita e contesta as ordens da irmã, Sarah. Aponta para o iPad e diz: “Apeeertar!” Aí liga o equipamento, desbloqueia a tela com uma rapidez incrível e acessa o que deseja. Pelo barulho do motor do carro, sabe que é o papai que vem chegando. Logo pronuncia com vigor: “Papai, papai...?” Quando a fome chega, olha para mim e diz: “Papai, neném comer!” Uma criança dessa idade discerne muito da realidade ao seu redor: imagens, movimentos, objetos, sons, músicas e muitas outras coisas. Começou a imitar os passarinhos que cantam no bosque perto de casa. Os cem bilhões de neurônios estão, a todo  o vapor, fazendo as sinapses, as conexões que vão constituir a memória, o conhecimento, as habilidades, as apreensões e tudo que é necessário para a estruturação de sua mente e personalidade. E nesse mundo de descobertas e experiências, há uma figura de alta relevância: a mãe e seu papel na formação da realidade em torno da criança.  Pois a fala da mãe é o adestramento desse ser em formação, é o que vai construindo tudo: verdades, regras, interditos, visão da realidade, humor, afeto, entendimento e a construção da figura paterna. Na minha ausência, quando ela sente a falta e diz: “Papai?”, minha esposa diz: “Papai logo vem. O papai ama você. O papai vai trazer frutas, o pãozinho para você”.  E assim vai dando forma a essa figura paterna que precisa ser por ela assimilada para se tornar uma criança confiante, com uma sólida identidade interna e se entender amada. O tipo de relacionamento que o pai estabelece com os filhos depende muito do discurso materno. Isso vale também para pais separados. A mãe, que geralmente tem a guarda dos filhos, pode apresentar, por meio do seu discurso e de suas afirmações, um pai bom ou uma figura malévola. Essa caricatura do pai vai sendo desenhada por aquilo que a mãe verbaliza. Se nos cinco primeiros anos de vida de uma criança a mãe pode lustrar ou sujar a imagem do pai, nos anos seguintes ela continua com esse enorme poder. Nem é necessário lembrar que devem prevalecer o bom senso e a sabedoria. Pois, mesmo que não haja entre os cônjuges (ou ex-cônjuges) boa convivência, ainda assim, deverão cultivar o respeito, a dignidade e o hábito de um discurso saudável para o bem dos seus filhos. 
Antonio Siqueira 
psicólogo clínico