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domingo, 17 de junho de 2018

1 Coríntios | Capítulo 10

Paulo lembra os cristãos experientes e fortes na fé que não devem se tornar seguros demais de sua capacidade de superar a tentação. "Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia" (1 Co 10:12). Paulo usa a nação de Israel como exemplo para prevenir os cristãos maduros de que sua experiência deve ser contrabalançada pela cautela e dá três advertências.

Em primeiro lugar, adverte que os privilégios
não são garantia alguma de sucesso (vv. 1-4). Israel havia sido liberto do Egito pelo poder de Deus; o mesmo acontece com o que crê em Cristo e é redimido do pecado. (Em 1 Co 5:7, 8, Paulo já havia relacionado a Páscoa dos judeus com a salvação.) Israel foi identificado com Moisés em seu "batismo" no mar Vermelho da mesma forma que os coríntios haviam sido identificados com Cristo em seu batismo cristão. Israel comeu o maná do céu e bebeu a água que Deus proveu, da mesma forma que os cristãos se alimentam do sustento espiritual que Deus oferece JO 6:63, 68; 7:37-39). Todavia, esses privilégios espirituais não impediram o povo de Israel de cair em pecado.

Assim como a imaturidade, a maturidade também tem seus perigos. Quando pensamos que somos fortes, descobrimos que somos fracos. O cristão forte que come carne no templo pode estar lutando com um inimigo poderoso demais para ele.

Em 1 Coríntios 10:4, Paulo não sugere que o povo de Israel foi literalmente acompanhado de uma pedra durante sua jornada pelo deserto, apesar de alguns rabinos ensinarem essa ideia. Trata-se aqui de uma rocha espiritual, que supriu suas necessidades, e essa Rocha era Cristo. Às vezes, o suprimento de água veio de uma rocha (Êx 17:17; Nm 20:7-11), outras vezes, de um poço (Nm 21 :16-18). Foi Deus quem proveu a água.

Em segundo lugar, Paulo adverte que um bom começo não é garantia de um final feliz (vv. 5-12). O povo de Israel experimentou os milagres de Deus, no entanto falhou quando foi testado no deserto. A experiência deve ser sempre contrabalançada pela cautela, pois nunca chegamos a um ponto de nossa jornada cristã em que nos vemos inteiramente livres das tentações e de possíveis fracassos. Com exceção de Josué e Calebe, todos os israelitas com vinte anos de idade ou mais que foram salvos do Egito morreram durante os anos em que Israel ficou vagando pelo deserto (Nm 14:26ss).

Podemos ouvir alguns dos coríntios "fortes" perguntando: "Mas o que isso tem a ver conosco?" Então, Paulo mostra que a igreja de Corinto era culpada dos mesmos pecados que os israelitas haviam cometido. Por causa de seu apetite pelas coisas perversas, os coríntios eram culpados de imoralidade
(1 Co 6), de idolatria (1 Co 8; 10) e de murmuração contra Deus (2 Co 12:20, 21). Como a nação de Israel, tentavam Deus "desafiando-o" a tomar uma atitude.

Sem dúvida, Paulo possuía conhecimento profundo do Antigo Testamento, e seus leitores devem ter reconhecido os acontecimentos aos quais ele se referiu. A "cobiça" pode ser vista no relato de Números 11: 4, a "idolatria" em Êxodo 32, e a "imoralidade" em Números 25. Os israelitas tentaram Deus em várias ocasiões, mas talvez aqui Paulo tenha em mente Números 21 :4-6. Para a murmuração do povo, ver Números 14 e 16.

Os pecados mencionados acima têm conseqüências sérias e devem ser julgados por Deus. Além de alguns desses rebeldes terem morrido imediatamente (ver 1 Co 11 :29-31), os que sobreviveram não tiveram permissão de entrar na Terra Prometida. Foram salvos no Egito, mas perderam o privilégio de entrar em sua rica herança. Paulo não está sugerindo a possibilidade de seus leitores perderam a salvação, mas teme que alguns deles sejam "desqualificados" (1 Co 9:27), reprovados por Deus e incapazes de receber qualquer recompensa.

Ouvi falar de um pastor que pregou uma série de sermões sobre "os pecados dos santos". Uma das senhoras da igreja, aparentemente convicta de sua posição, disse ao pastor que não aprovava a série.

- Afinal, os pecados na vida do cristão são diferentes daqueles na vida de uma pessoa incrédula.
- Sem dúvida - respondeu o pastor. São piores!

Não devemos imaginar que, pelo fato de o povo de Israel estar sob a Lei, seus pecados foram piores que os nossos, sendo, portanto, tratados de modo mais enérgico. O pecado na Igreja de hoje é muito mais sério, pois podemos aprender com o exemplo de Israel e vivemos no "fim dos tempos". Pecar contra a Lei é algo tão sério quanto pecar nos dias da antiguidade.

A terceira advertência de Paulo é para que Deus nos capacite de modo a superar a tentação se dermos ouvidos à Palavra (v. 13-22). Deus permite que sejamos tentados, pois sabe quanto somos capazes de suportar; além disso, sempre provê uma saída pela qual podemos fugir se crermos nele. O cristão que pensa ser capaz de permanecer em pé pode cair; mas o cristão que foge é capaz de ficar em pé. 

Paulo disse anteriormente a seus leitores: "Fugi da impureza" (1 Co 6:18); agora, os adverte: "Fugi da idolatria" (1 Co 10:14) e explica o motivo: o ídolo em si não é coisa alguma, mas é usado por Satanás para levar ao pecado. A idolatria é demoníaca (Dt 32:17; SI 106:37). Sentar-se à mesa de um ídolo poderia significar ter comunhão ("se associar") com demônios. Paulo volta a ressaltar a importante doutrina da separação do pecado (2 Co 6:14 - 7:1).

Para isso, usa a Ceia do Senhor como ilustração. Quando o cristão participa do cálice e do pão à mesa do Senhor, em sentido espiritual está tendo comunhão com o corpo e o sangue de Cristo. Ao se lembrar da morte de Cristo, o cristão entra em comunhão com o Senhor ressurreto. Em 1 Coríntios 10:18, Paulo usa o altar do templo e os sacrifícios para ilustrar esse fato. A aplicação é clara: um cristão não pode participar do alimento do Senhor (o sacrifício do Antigo Testamento, a ceia do Novo Testamento) e do alimento do diabo (a mesa do ídolo) sem se expor ao perigo e provocar o Senhor.

"Somos, acaso, mais fortes do que ele?" (1 Co 10:22) - pergunta o apóstolo para o cristão forte, o qual estava certo de que poderia desfrutar sua liberdade no templo pagão sem sofrer qualquer mal. "Talvez você seja mais forte que seu irmão débil", diz o apóstolo. "Mas não é mais forte do que Deus!" É perigoso brincar com o pecado e tentar Deus.

Em momento algum Paulo nega a liberdade do cristão maduro de desfrutar seus privilégios em Cristo. "Todas as coisas são lícitas" - MAS nem todas são proveitosas, pois algumas conduzem à escravidão (1 Co 6:12). "Todas são lícitas" - MAS, algumas atividades podem levar nosso irmão mais fraco a tropeçar (1 Co 8:11-13). Em outras palavras, a marca da maturidade é a capacidade de contrabalançar nossa liberdade com responsabilidade; de outro modo, deixa de ser liberdade e se transforma em anarquia e ausência de lei.

Para começar, temos uma responsabilidade para com nossos irmãos em Cristo na igreja (1 Co 10:23-30). Somos responsáveis por edificar outros na fé e buscar seu bem. Filipenses 2:1-4 dá a mesma admoestação. Apesar de termos liberdade em Cristo, não somos livres para prejudicar outro cristão.

Paulo aplica essa verdade à questão da carne oferecida a ídolos. O apóstolo já havia advertido os cristãos a não participarem publicamente de tais banquetes pagãos (1 Co 8:9-13); agora trata das refeições particulares. Em 1 Coríntios 10:25, 26, instrui os cristãos a não perguntarem sobre a carne comprada no mercado para o consumo doméstico. Afinal, todas as coisas vêm de Deus (cita o Sl 24:1 ) e toda comida é permitida para o cristão (ver Mc 7:14-23; At 10:9-16, 28; 1 Tm 4:3-5). Em sua própria casa, o cristão maduro poderia consumir até mesmo carne oferecida a ídolos. Mesmo que a carne comprada no mercado fosse proveniente do templo (como muitas vezes era o caso), o cristão não seria prejudicado.

Mas e quanto às ocasiões em que o cristão é convidado para a casa de um incrédulo? Paulo trata desse problema em 1 Coríntios 10:27-30. Se o cristão se dispõe a aceitar o convite (Paulo não dá grande ênfase a essa decisão), deve comer o que é colocado diante dele sem fazer perguntas (ver Lc 10:8; 1 Tm 6:17). Todavia, é possível que também estejam presentes à mesa irmãos ou irmãs mais fracos que desejam abster-se da carne oferecida a ídolos. Se esse irmão mais fraco informa outro mais forte que a carne foi, de fato, oferecida a ídolos, então o cristão mais forte não deve consumi-Ia. Se o fizer, levará o irmão débil a tropeçar e, possivelmente, pecar.

Há, ainda, uma responsabilidade que pode ser associada às duas primeiras: temos a responsabilidade de procurar ganhar almas para Cristo (1 Co 10:32, 33). Não devemos colocar qualquer empecilho para que judeus ou gentios creiam no Senhor, nem para que outros membros da igreja testemunhem do Senhor. Não devemos viver em busca de nosso próprio benefício ("interesse"), mas também o de outros que podem ser salvos.

Quando Paulo escreve: "eu procuro, em tudo, ser agradável a todos" (1 Co 10:33), não está sugerindo que é condescendente ou que procura agradar aos homens (ver Gl 1:10). Antes, está declarando que sua vida e ministério giravam em torno de ajudar outros, não de promover a si mesmo e a seus próprios desejos.

Antes de encerrar esta seção importante, devemos observar que Paulo provavelmente parecia incoerente para os que não entendiam os princípios da vida cristã. Por vezes, comia o mesmo que os gentios. Em outras ocasiões, seguiam uma dieta kosher com os judeus. Mas, em vez de estar sendo incoerente, na verdade, vivia coerentemente, de acordo com os princípios que ele próprio apresenta nos capítulos que acabamos de comentar. Um cata-vento pode parecer incoerente, apontando primeiro para uma direção, depois para outra. No entanto, é justamente o contrário: sempre aponta para a direção do vento, por isso é um instrumento útil.

Como cristãos, temos de fato liberdade. Essa liberdade foi comprada por Jesus Cristo, de modo que é extremamente preciosa.

A liberdade vem do conhecimento: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará" Jo 8:32). Quanto melhor entendemos o átomo, por exemplo, mais liberdade temos de usá-lo com prudência. No entanto, o conhecimento deve ser contrabalançado pelo amor; de outro modo, em vez de ser edificante, torna-se destrutivo.

O cristão mais forte não apenas tem conhecimento, mas também experiência. Pode olhar para trás e ver seu relacionamento com o Senhor ao longo dos anos. Ainda assim, deve ter cuidado, pois é necessário que a experiência seja contrabalançada pela cautela. "Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia"! 

O cristão forte sabe que possui liberdade, mas também sabe que esta implica responsabilidade. Tenho liberdade, por exemplo, de tirar meu carro da garagem e de usar as ruas e estradas; mas devo dirigir com responsabilidade. Não tenho liberdade de dirigir a qualquer velocidade em minha rua, como também não tenho liberdade de ignorar os sinais de trânsito ao longo do caminho.

Encontramos nestes capítulos vários "testes" que podemos aplicar a nossas decisões e atividades.
"Todas as coisa são lícitas", MAS - 

1. Promoverão a liberdade ou a escravidão? (1 Co 6:12)
2. Serão um tropeço ou um apoio? (1 Co 8:13)
3. Edificarão ou destruirão minha vida? (1 Co 10:23)
4. Serão apenas para meu próprio prazer ou glorificarão ao Senhor? (1 Co 10:31 )
5. Contribuirão para ganhar almas para Cristo ou para afastá-Ias do Senhor? (1 Co 10:33)

A maneira de usarmos nossa liberdade e de nos relacionarmos com os outros indica se temos maturidade em Cristo. Os irmãos e irmãs fortes e fracos precisam trabalhar juntos em amor, a fim de edificar uns aos outros e de glorificar a Jesus Cristo. Por tanto vamos orar a Deus pedindo isso, se possível feche seus olhos.

Oração

Deus eterno e Pai amado, nascemos em uma condição de escravidão e tudo que nos cerca deste lado da eternidade, é arregimentado de modo a assegurar que em tal condição nos mantenhamos, a escravidão na história se restringe a uma questão de cor, mais hoje ela é muito mais abrangente, permeando questões de consumo, uso do tempo, além da sede por poder ou riqueza. Mais louvado seja o teu nome porque através do sacrifício de Cristo podemos encontrar verdadeira liberdade, e para tanto pedimos que o Espírito Santo sempre esteja conosco nos guiando sobre o caminho que nos assegurará a permanência na estrada da liberdade que conduz a cidade celestial. Isso te pedimos crendo no poder que a no nome de Jesus amém!

Reynan Matos
Teólogo

Fonte:
Comentário Bíblico Expositivo Warren W. Wiersbe. p. 779-781